Santo André: Integração de programas para promover a inclusão social

Rosana Denaldi
(Arquiteta, doutora pela FAU-USP, professora da Universidade Católica de Santos e Secretaria de Desenvolvimento Urbano e Habitação da Prefeitura de Santo André)

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Neste trabalho trataremos do programa “Santo André Mais Igual” desenvolvido desde 1998 na cidade de Santo André localizada na Região do Grande ABC, na RMSP (Região Metropolitana de São Paulo), Brasil.

O Programa Santo André Mais Igual (denominado inicialmente de Programa Integrado de Inclusão Social) objetiva promover a inclusão social por meio da concentração espacial e integração de diversos programas sociais (habitação, educação, saúde, garantia de renda, desenvolvimento econômico, entre outros). O slogan ‘Tudo junto, ao mesmo tempo e no mesmo lugar’ resume a expressão desta idéia (SANTO ANDRÉ, 2001).  

A favela é o território escolhido. Busca-se superar as limitações dos programas de intervenção em favelas, relacionadas principalmente com a insuficiência de ações físicas (urbanísticas), falta de articulação das ações e de integração entre setores do governo municipal. [1] Seu caráter inovador foi reconhecido e premiado por vários organismos nacionais e internacionais. Em 2000, ganhou o ‘Prêmio Gestão Pública e Cidadania’, concedido pelas Fundação Getúlio Vargas e Fundação Ford, e foi destacado como uma das cinco melhores experiências de políticas públicas desenvolvidas no país. Em 2001, foi incluído entre as 16 melhores práticas do mundo – a única brasileira – escolhidas para serem relatadas na Conferência das Nações Unidas sobre Assentamentos Humanos – Istambul + 5. Ainda em 2001, foi selecionado entre as dez melhores práticas, com destaque especial para a urbanização da favela Sacadura Cabral, e recebeu o Prêmio Caixa Econômica Federal de Melhores Práticas em Gestão Local desse ano. Em 2002, a experiência ‘Gênero e Cidadania’, realizada no âmbito do programa, foi eleita como uma das dez melhores iniciativas do mundo, recebendo o Prêmio Internacional de Dubai de Melhores Práticas, do Centro das Nações Unidas para Assentamentos Humanos, o Habitat. Em 2003 foi indicado como uma das 20 melhores práticas na feira virtual de governança local da ONU.

A primeira etapa de implantação do programa (1997-2000) atende cerca de 3.700 famílias (16% do total da população de favelas) e a segunda etapa do programa (2001-2004) em desenvolvimento vem atendendo cerca de outras 2.200 famílias. Até o momento o universo abrangido pelo programa é de 26 mil habitantes, cerca de 20% da população total de favelas.

1 - Contexto/Santo André/antecedentes/condicionantes

Santo André localiza-se na Região do Grande ABC, a sudeste da RMSP, e possui 648 mil habitantes (IBGE, 2000). Os indicadores de urbanização de Santo André permitem classificá-la entre as melhores cidades da Região Metropolitana de São Paulo, porém ela também reproduz os contrates entre riqueza e pobreza característicos do Brasil.

Do total da população de Santo André, 10,34% vive em situação de pobreza e 5,09% vive em situação de miséria [2]. Aproximadamente 20% do total da população do município, 132 mil pessoas [3], moram em 139 núcleos de favela. A taxa de analfabetismo do município é baixa, 5,3%. Entretanto, o percentual de pessoas que não completaram o ensino fundamental é alto. Observa-se que a população mais pobre se concentra em determinados setores da cidade e que estes são os setores que apresentam maior crescimento demográfico. Um estudo desenvolvido pela CIS (Coordenadoria de Indicadores Socio-econômicos) da PSA (Prefeitura de Santo André), que analisa o padrão de crescimento populacional da cidade, confirma esta tendência de segregação e periferização da população.

O município de Santo André, no decorrer da década de 1990, apresentou TGCA (Taxa geométrica de crescimento anual) de 0,55%, correspondente a um aumento de população de 32.340 habitantes. O conjunto de setores censitários que corresponde às regiões mais consolidadas e centrais do município perdeu cerca de sessenta mil habitantes neste período. Cerca de 93 mil novos habitantes passam a residir no conjunto de setores censitários que corresponde às regiões mais periféricas, onde se verifica um aumento populacional aproximadamente três vezes maior que o registrado para toda a cidade no mesmo período (32.340 habitantes).   Cerca de 75% dos setores que apresentam crescimento populacional localizam-se nas regiões sul e sudeste do município, áreas periféricas e de expansão. Os setores de crescimento populacional também coincidem com as regiões onde se localizam as favelas. Ressalta-se que cerca de 25% desse crescimento populacional nas regiões periféricas (22 mil habitantes) ocorre dentro dos limites das favelas.

A ‘Pesquisa Socioeconômica em Favelas do Município de Santo André’, contratada pela PSA e realizada pela empresa CTA (Consultoria Técnica e Avaliações) no segundo semestre de 1999, apresenta o perfil socioeconômico dos moradores e aspectos da moradia e dos núcleos de favela em Santo André. [4] A pesquisa apontou que, em 1999, 19% dos chefes de família de favelas de Santo André eram mulheres e 14,5%, analfabetos. Mostrou também que os chefes de família residentes em favelas de Santo André tinham uma renda média de 3,35 salários mínimos por mês. Cerca de 18,7% ganham até um salário mínimo.  O desemprego era muito alto nas favelas de Santo André: cerca de 32% da população; outros 14,2% faziam bicos esporadicamente. Em 1991, aproximadamente 18% da população acima de dez anos estava desocupada, procurando trabalho ou sem ocupação.

Cabe mencionar alguns dos principais antecedentes e condições que contribuíram para construção do Programa Santo André Mais Igual.

Primeiramente é preciso lembrar que em 1997 o ex-prefeito Celso Daniel e sua equipe de governo estabeleceram como uma das cinco “marcas de governo” a inclusão social. Portanto era uma prioridade de governo encontrar alternativas de gestão que facilitasse atingir estes objetivos.

O fato de diversos programas sociais terem sido estruturados e aprimorados no primeiro governo petista (1989-1992) e no primeiro ano (1997) do segundo governo petista facilitou o inicio do desenvolvimento do programa de inclusão social.

O programa de urbanização de favelas é um dos exemplos mais relevantes. A intervenção em favelas no âmbito de uma política municipal de habitação inicia-se em 1989, no primeiro governo do prefeito Celso Daniel.  Nessa gestão (1989 – 1992) foi criada a Secretaria Municipal de Habitação, a EMHAP (Empresa Municipal de Habitação Popular), além de terem sido instituídos importantes instrumentos, como a Lei de AEIS, o Fundo Municipal de Habitação e o Conselho Municipal de Habitação.

O mérito da política habitacional do primeiro governo de Celso Daniel está no reconhecimento da existência das favelas, na afirmação da urbanização como forma de promover o acesso à habitação, no estabelecimento de uma metodologia própria para a intervenção em favelas e na estruturação de um arcabouço jurídico-institucional para promover a regularização desses assentamentos. A metodologia de intervenção em favelas definida nesse período foi aprimorada e retomada pelos dois outros governos do mesmo partido.

Em 1992, o PT (Partido dos Trabalhadores) perde as eleições municipais e a continuidade política dos programas é prejudicada. O governo seguinte (1993-1996) deu pouca importância às favelas e realizou apenas intervenções relacionadas com a eliminação de situações de risco diagnosticadas pela Defesa Civil do Município.  Em 1997 com a reeleição de Celso Daniel os programas de urbanização de favelas são retomados e aprimorados.

No segundo governo de Celso Daniel (gestão 1997-2000), a PSA explicita que sua política habitacional está voltada para a ampliação do acesso da população de menor renda ao mercado habitacional formal e a melhoria das condições de habitabilidade em núcleos de favela.

Outro exemplo é o OP (Orçamento Participativo) e CMO (Conselho Municipal de Orçamento) estruturados em 1997. Trata-se de importante ferramenta de democratização da gestão municipal e seu prévio funcionamento facilitou estabelecer um “acordo” de quais núcleos seriam objeto de intervenção no âmbito do programa Santo André Mais Igual.

 

2 - Concepção do programa ‘Santo André Mais Igual’

A exclusão social vem sendo tratada por vários autores. [5] Neste trabalho, não vamos entrar no debate conceitual a respeito, mas relatar como a exclusão é percebida pelo governo municipal e como a partir desta percepção o governo define uma estratégia para promover  processos de inclusão. [6] O governo municipal de Santo André entende exclusão social como ausência de direitos básicos compatíveis com a garantia de mínimos sociais para o exercício da cidadania.

A exclusão social é, antes de mais nada, um fenômeno produzido pela própria dinâmica social, manifestando-se através da inexistência de condições para a cidadania plena. A inclusão social, por oposição, supõe o acesso de indivíduos e famílias a um conjunto de mínimos sociais, na qualidade de direitos. Trata-se, em outras palavras, da garantia de igualdade de oportunidades para a conquista do direito à cidade.
Exclusão e inclusão são conceitos multidimensionais, em que a dimensão econômica – trabalho e renda –  é predominante. A ela se somam, também, os aspectos urbano, social, cultural e político. Uma pessoa pode ser economicamente incluída, mas ser excluída do ponto de vista de sua presença na cidade (condições físicas como habitar um espaço ilegal, desprovido de qualidade de vida). Ou vice-versa.
(...)
As conseqüências de incorporação dessas idéias na formulação e na implementação de políticas são muitas. Entre elas, destaca-se a necessidade de ir além das abordagens setoriais tradicionais  – seja um programa de urbanização de favelas, uma proposta educacional, um programa de acesso ao crédito etc. (DANIEL, 2001)

O programa é muito ambicioso; no entanto, o depoimento do ex-prefeito Celso Daniel esclarece que o governo municipal tem clareza quanto ao caráter estrutural da exclusão e aos limites da ação municipal.

É claro que o fenômeno tem caráter estrutural e seria equivocado imaginar que um programa de inclusão social local, por mais sólido que fosse, pudesse debelar, no interior das fronteiras de um município isolado, um processo de exclusão social que, além de fruto de uma herança histórica – agravada no período recente, possui raízes que vão além das fronteiras locais. No entanto, tal argumento jamais poderá servir de pretexto para a falta da ação. (DANIEL, 2001)

A concepção do Programa parte do pressuposto que a exclusão social é um fenômeno multidimensional, de ordem econômica, urbana, cultural e social e que estas diferentes dimensões se articulam e alimentam-se mutuamente. Portanto para trata-la é necessário adotar uma abordagem integrada e articular programas que dêem conta das diversas dimensões citadas. O programa busca dar conta de três dimensões: urbana, social e econômica.

Outro pressuposto é que a pobreza e a exclusão se concentram em determinados territórios. No caso de santo André são as favelas abrigam a grande maioria os excluídos.

Quanto à estratégia de ação, a PMSA (2001) adotou como princípios do programa a integração, a territorialização das ações (favelas) e a participação da comunidade.

A integração dos programas é um principio fundamental para atingir os objetivos do programa e potencializar os resultados individuais de cada um dos programas. Busca-se integrar as ações das diferentes Secretarias de governo e das diferentes áreas dentro de uma mesma Secretaria. Para tanto ajustou-se o desenho institucional de alguns programas, estabeleceu-se uma equipe de gerenciamento interdepartamental e se reorganizou internamente a condução dos programas de forma a viabilizar a gestão matricial. Cabe ressaltar que esta não é uma tarefa simples dada a predominância da visão setorial e a prevalência de uma cultura organizacional marcada pelas ações setoriais desarticuladas que dificulta ou impede a gestão matricial.

Outro principio mencionado é a territorialização da ação que responde ao pressuposto que  exclusão se concentra territorialmente. Este foco no território facilita a elaboração de diagnósticos, a implantação do programa e o monitoramento e avaliação deste além de reduzir custos de implantação de alguns programas como “saúde da família” e o “renda mínima”.

Para Santo André (2001):

“A territorialização da ação, ou seja, o foco territorial em áreas geográficas da cidade, permite melhor apreender especificidades locais – possibilitando um diagnóstico mais preciso, definindo dosagens e combinações adequadas das  políticas, descobrindo, na interação com moradores, os melhores caminhos, etc,.

Essa abordagem permite identificar claramente as demandas, ou seja, os problemas enfrentados pelas pessoas em questão. Assim, as necessidades tem identidade, endereço, história.”

A participação da população é também diretriz do governo municipal que promove uma gestão participativa buscando tomar as decisões de governo com a população. No nível da cidade o Orçamento Participativo é um dos principais instrumentos de participação.

Em relação ao programa Santo André Mais Igual trata-se de uma ferramenta indispensável para potencializar a organização da comunidade e garantir o atendimento a seus interesses.   

3 - Componentes e operacionalização do Programa

Para dar conta das dimensões urbanas, econômicas e sociais da exclusão são desenvolvidos e articulados diversos programas e ações.

No que se refere à dimensão urbana, o objetivo do programa é integrar o núcleo de favela a cidade, garantir o acesso aos serviços e equipamentos urbanos e a uma habitação digna. Busca-se promover a melhoria das condições de habitação a partir da execução de obras de saneamento e infraestrutura, construção de equipamentos urbanos, eliminação de situações de risco, viabilização de parcelamento garantindo um lote (ou fração de terra) mínimo por família, assessoria a auto-construção além da regularização fundiária do assentamento. Promove-se também, quando necessário a produção de novas moradias para eliminar situações de risco e viabilizar o desadensamento dos núcleos de favela.

No âmbito da dimensão econômica e objetivando melhorar as condições de renda e emprego da população são desenvolvidos diversos programas:

Além destes programas promove-se o “Centro de Negócios e Serviços” que abriga unidades econômicas dirigidas por empreendedores moradores do núcleo de favela, unidades ancoras dirigidas por empreendedores da cidade e serviços como correio, Central de Serviços Autônomos, banco e Posto Municipal de Atendimento (SIM –Serviço Interado Municipal).

Na dimensão social busca-se garantir direitos sociais básicos. São implantados os programas:

As questões de gênero e raça assim como as ações voltadas para pessoas com deficiência são tratadas transversalmente e por quase todos os programas.

O processo de implantação do programa exigiu do governo municipal um esforço de reorganização interna para garantir a integração dos programas sociais Um grande esforço vem sendo feito para consolidar e aprimorar a gestão horizontal deste programa e para transpor as dificuldades organizacionais.

Na primeira etapa de implantação do programa foi criada uma coordenação geral deste vinculada diretamente ao Prefeito e uma coordenação executiva composta por dirigentes das principais Secretarias envolvidas. Na segunda etapa do programa promoveu-se uma mudança institucional e criou-se  a “Secretaria de Inclusão Social e Habitação”-SISH -  e para qual foi transferida a coordenação do Programa Santo André Mais Igual.

De acordo com o ex-prefeito Celso Daniel o objetivo foi “conferir maior solidez a operacionalização do programa” atribuindo a unidade coordenadora além da responsabilidade de coordenar o conjunto do programa, a responsabilidade de coordenar alguns de seus principais componentes como os programas de urbanização de favelas, complementação de renda e outros de atendimento a crianças. (DANIEL, 2001) 

Atualmente a programa se organiza em três instancias de gestão: Coordenação Geral, Coordenação Executiva e Coordenação Técnica.

A Coordenação Geral, formada pelos secretários das áreas envolvidas, é responsável pela definição das diretrizes gerais e pela avaliação do programa.

A Coordenação Executiva, sob a responsabilidade da SISH, tem como principal eixo de atuação a articulação da própria gestão matricial e o planejamento das ações. Para viabilizar esta articulação foi criada no âmbito da SISH a Coordenadoria da Inclusão Social. Participam da Coordenação Executiva os dirigentes (coordenadores e diretores) responsáveis pelos diversos programas. 

A Coordenação Técnica é formada pelos técnicos dos departamentos diretamente envolvidos com as ações no âmbito do programa matricial. Além dessas três instâncias de gestão, há uma equipe local para cada favela, formada pelos técnicos de área e agentes locais de saúde, educação, habitação, renda mínima, banco do povo, incubadora. Além disso, fazem parte das equipes cerca de 11 organizações (não governamentais), parceiras na implantação do programa, que atuam diretamente nos núcleos, como, por exemplo, a Peabiru, que presta assessoria técnica à autoconstrução, e o MDDF, responsável pelo desenvolvimento do Programa Criança Cidadã (PSA, 2001).

Entre os principais parceiros (locais, nacionais e internacionais) que acompanharam a implementação do PIIS, destacam-se: a Comissão Européia, com o ‘Programa de Apoio às Populações Desfavorecidas’; o ‘Programa de Gestão Urbana’ da ONU; o ‘Instituto de Governo e Cidadania do ABC’; o IBAM (‘Instituto Brasileiro de Administração Municipal’); a PUC-SP (‘Pontifícia Universidade Católica de São Paulo’); o MDDF – ‘Movimento de Defesa dos Direitos do Favelado’; e o Governo Federal/BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), que vêm colaborando com dotação de recursos financeiros e/ou apoio técnico.

Cabe ressaltar que na etapa inicial de implantação do programa muito contribuiu a determinação política do Prefeito e seu direto envolvimento para viabilizar um novo arranjo institucional.   

Outras medidas também foram de grande importância tanto para convencer o corpo de Secretários e dirigentes municipais que era necessário abrir mão da atuação setorial como para refinar a base conceitual do programa que orienta os processos decisórios e a operacionalização do programa. Trata-se, por exemplo, das reuniões, workshops e seminários realizados tratando das questões conceituais e metodológicas. Parceiros nacionais e internacionais desempenharam importante papel nesta etapa de implantação do programa.

Diversas reuniões e workshops contando com participação do Prefeito e Secretários de governo foram realizadas no segundo semestre de 1998 buscando unificar linguagem e conceitos. Com o apoio do PGU – Programa de Gestão Urbana – das Nações Unidas e do Instituto de Governo e Cidadania do ABC (Escola de Governo) se  realizou o I Seminário Internacional de Inclusão Social (1999) que discutiu a exclusão social e a ação governamental. O II Seminário de Inclusão Social (2001)foi apoiado pela Comissão Européia e aprofundou as questões debatidas no primeiro seminário e focou outros temas como a “Critérios de analise e métodos de mensuração”.

O programa PGU/ONU através da “Consulta Urbana” trouxe também um rico aporte conceitual e a Comissão Européia financiou o “Diagnostico Participativo” orientado pela Instituto de Estudos Especiais da PIC-SP e que objetivava fortalecer os mecanismos de gestão participativa e tornar presente o “olhar” da população.

4 – Sistema de avaliação e monitoramento

A avaliação da primeira etapa de implantação do programa apontou a necessidade de aprimorar os mecanismos de monitoramento e avaliação do programa e estabelecer indicadores de processo e resultado. Para tanto foi criado recentemente o “Observatório de Inclusão Social” e vem sendo implementado um sistema de indicadores. Objetiva-se avaliar os resultados e orientar e aprimorar o desenvolvimento dos programas.

Nesta segunda etapa de implementação do programa e para viabilizar o sistema de indicadores foi produzido instrumental de pesquisa denominado “Perfil Social” que é aplicado antes do inicio de implementação dos programas. Este instrumental levanta informações sobre aspectos de  saúde, educação, violência domestica, renda, habitação entre outros que serão tratados pelo programa. A partir destes dados se constrói os indicadores de resultado e também se planeja as ações em cada um dos núcleos de favela.

Estes dados são inseridos num banco de dados da população residente em núcleos de favelas objeto de intervenção no âmbito do Programa Santo André Mais Igual. As informações deste banco serão articuladas ao Banco de Dados do Cidadão - BDC, em fase de implementação que é um instrumento de planejamento a ser progressivamente utilizado por vários órgãos municipais, e que permitirá a identificação de todos os cidadãos atendidos pelos diversos programas municipais, concentrando e articulando as diversas informações necessárias à consolidação da gestão integrada a partir do conhecimento de quais são os benefícios e serviços aos quais os munícipes vêm tendo acesso.

As informações do BDC serão tratadas de forma a resultar em um Observatório de Inclusão Social, que objetiva avaliar resultados e gestão dos programas e projetos ainda na sua fase de execução, ou seja, in time, e não ex-post, de forma a permitir melhorias gerencias e aprimorar a eficácia durante o próprio processo de intervenção.

5 - Resultados e Limitações do programa

No primeiro período de implantação (1997-2000), o Programa iniciou o atendimento a cerca de 3.700 famílias (16% do total da população de favelas), em quatro núcleos: Sacadura Cabral (setecentas famílias), Tamarutaca (1.400 famílias), Capuava (1.400 famílias), Quilombo (240 famílias). Para o segundo período de implantação (2001-2004), estava previsto o atendimento a outras 12 favelas beneficiando outras 4.500 famílias mas este atendimento foi reduzido em função das restrições orçamentárias. A segunda etapa do programa esta atendendo cerca de outras 2.200 famílias em outros três núcleos de favelas: Mauricio de Medeiros, Espírito Santo I e Gonzalo Zarco.

O fato da primeira etapa do programa ainda não estar completamente concluída assim como o fato do governo municipal não ter registrado antes de iniciar esta etapa a situação inicial dificulta a realização de uma avaliação conclusiva dos resultados deste período inicial de implantação do programa. No entanto é inegável que houve avanços.

Uma avaliação realizada pela PMSA no período 1998-2000 mostrou a significância dos resultados obtidos. Dos cerca de 15 mil moradores das quatro favelas, 2.500 se capacitaram profissionalmente no âmbito do programa ‘Trabalhador Cidadão’; destes, 16% conseguiram trabalho em função dessa capacitação. Novecentas e sessenta e oito famílias, 27% do total, receberam benefício financeiro do programa ‘Renda Mínima’. Cerca de 66% dessas famílias, já fora do programa ‘Renda Mínima’ havia mais de seis meses, afirmaram que suas condições de vida tinham melhorado; 41% indicaram a geração de oportunidades de trabalho e renda como o motivo principal. O depoimento de uma moradora confirma que a articulação do Programa Renda Mínima com outros programas de capacitação profissional e educação fortalece a perspectiva de autonomização da família.

(...) minhas condições de vida são melhores hoje porque eu fiz curso profissionalizante, fiquei mais desinibida, estou trabalhando, aprendi a cuidar do dinheiro. Quando eu estava participando do programa Renda Mínima, eu melhorei minha casa, comprei móveis e abri uma caderneta de poupança. (SANTO ANDRÉ, 2001)

Os programas de geração de trabalho e renda beneficiaram diretamente cerca de oitocentas pessoas. O Banco do Povo concedeu créditos a 98 moradores, o programa ‘Empreendedor Popular’ beneficiou cerca de setecentos moradores, e ainda foram formadas quatro Cooperativas de Trabalho. [8] ALMEIDA (2002) aponta que, como resultado dessas iniciativas, o número de pessoas empregadas cresceu 10% e o dos que obtêm renda com atividade remunerada aumentou 56%, diminuindo o número de desempregados em 25%. Cerca de 27% das pessoas que declararam estar recebendo remuneração estavam trabalhando na área para a qual se qualificaram nos cursos. 

Vários outros depoimentos revelaram que o desempenho das crianças na escola melhorara em algum grau, e que parte da população tinha voltado a estudar. No início do programa, havia poucas salas de alfabetização de adultos no entorno das áreas e eram ociosas; no período da avaliação, encontraram-se 23. Os resultados do Programa de Saúde da Família também foram positivos. Os agentes de saúde levaram parcelas maiores da população a procurar os postos de saúde e unidades especializadas, para fazer tratamentos preventivos ou de outros tipos, o que sobrecarregou a rede de atendimento local. As atividades esportivas, de lazer e culturais, desenvolvidas no âmbito do programa ‘Criança Cidadã’, beneficiaram cerca de setecentas crianças e adolescentes até o final de 2000. 

A PSA (2002), comparando o desempenho dos programas sociais, nas áreas cobertas pelo Programa, com o resultado alcançado em regiões da cidade com características semelhantes onde não se desenvolve o programa, conclui que a eficácia dos programas sociais tende a ser maior nas áreas cobertas pelo PIIS.

Nas outras áreas, o Saúde da Família consegue acompanhar 81% das gestantes, nas áreas do Programa Integrado, 96%. O mesmo ocorre em relação à amamentação de crianças de 0 a 3 meses: nas demais comunidades, 91%, enquanto nas áreas do Programa alcança 95%. A vacinação das crianças também tem índice mais alto nas áreas do programa (91%) do que nas outras comunidades (83%). (SANTO ANDRE, 2002)

Os progressos obtidos, relacionados principalmente a melhoria da condição de vida da população, aprimoramento da política de urbanização e às mudanças institucionais, não são acompanhados de resultados concretos em termos de número de projetos concluídos e de famílias atendidas. A meta de atendimento de outras 4.500 famílias, estabelecida no início de 2001, foi reduzida, na segunda etapa. Além da redução das metas, outro problema é a diminuição do ritmo de execução das obras. A meta inicial do governo era concluir a primeira etapa até o final do primeiro semestre de 2001 mas estendeu-se para 2004. A escassez de recursos municipais e a dependência do repasse de outras esferas de governo e agências internacionais, somadas à impossibilidade de recuperação total dos custos, leva o município a depender de financiamentos e condicionantes externas. A experiência adquirida no período permite prever que será muito difícil ampliar o desenvolvimento do programa para o conjunto de favelas da cidade a curto prazo.

Na primeira etapa de implantação do programa, cerca de 40% dos recursos são provenientes da Comissão Européia, cerca de 15% do governo federal e o restante é financiado pelo município.

Na composição de custos referente à implantação do Programa, observa-se que os custos mais altos são os de urbanização/produção habitacional. Durante a implantação da primeira etapa, a dificuldade de disponibilização de recursos para a urbanização acabou acarretando uma alteração do cronograma de execução e num descompasso entre a realização das obras de urbanização e o desenvolvimento dos demais programas sociais. No caso da favela Capuava, por exemplo, a urbanização, que dependia de recursos externos (HabitarBrasil-BID), iniciou-se apenas em janeiro de 2002, ao passo que diversos outros programas – Renda Mínima, Crédito (Banco do Povo), Capacitação Profissional –  começaram a ser implantados em 1999 e 2000. Assim, neste núcleo, o desenvolvimento dos programas não ocorreu ‘ao mesmo tempo’, o que acabou gerando distorções. As famílias que recebiam recursos do programa Renda Mínima ou financiamento do Banco do Povo não podiam, por exemplo, melhorar a construção de sua moradia ou negócio utilizando esse recurso, uma vez que a proposta de reparcelamento ainda não havia sido executada.

Se por um lado é um grande diferencial positivo articular as intervenções urbanísticas (recuperação de áreas degradadas, urbanização de favelas) com os demais programas sociais, por outro lado limita-se a abrangência em função do “peso” e alto custo de implantação destas intervenções.

Registra-se também uma grande dificuldade para captar recursos para programas integrados uma vez que as linhas de financiamento nacionais e internacionais estão estruturadas para financiar projetos setoriais. Um verdadeiro malabarismo é feito pelo governo municipal para reunir recursos de fontes distintas e aloca-los neste programa  no necessário período de implantação para viabilizar inclusive a implantação simultânea dos diversas ações.

Uma grande dificuldade não superada relaciona-se as ações voltadas para combater a violência. As favelas são também territórios do tráfico, da marginalidade e da impunidade. Os programas sociais do governo municipal disputam com este circuito as crianças e adolescentes. A experiência mostra que quando os programas sociais focam a família  aumenta-se a possibilidade de alcançar sucesso entretanto é baixa governabilidade do governo local em relação  a violência urbana.

A experiência abre ainda perspectivas para a realização de vários estudos. Mesmo reconhecendo os avanços institucionais, viabilizar a matricialidade, assim como o processo de E necessário um esforço constante para garantir a integração das ações uma vez que ainda se faz presente em algumas áreas e alguns momentos de atuação a visão setorial. Neste sentindo é fundamental garantir um espaço permanente de discussão entre as equipes. A contribuição dessa experiência para o campo da cultura organizacional da administração municipal deverá ser objeto de outros estudos.

ALMEIDA (2002: 22) propõe ainda que se estude se de fato existe correlação positiva entre a fixação da população nas áreas urbanizadas e a geração de trabalho e renda,  ou os aspectos subjetivos, como a auto-estima da população (incorporando a noção de que os moradores são sujeitos de direito). A análise desses aspectos poderia contribuir para a construção de estratégias de fixação da população em áreas que são objeto de intervenção, no âmbito de programas de urbanização de favelas. 

Bibliografia

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Notas

[1] Muitos governos anunciaram ou reconheceram a necessidade de levar à favela não apenas a execução de obras de infra-estrutura, mas diversos programas sociais; vários estudos e experiências também apontaram a necessidade da intervenção integrada, mas, concretamente, pouco se avançou. Na maioria dos programas de urbanização de favelas, a execução de obras sempre teve um peso político e institucional muito maior; as demais ações tinham apenas o papel de apoio para a viabilização da obra. Sobre a proposta de gestão integrada e ação multidisciplinar do Programa Guarapiranga, ver UEMURA (2000). Sobre a avaliação institucional do Programa Favela Bairro, ver IBAM/FINEP (1996) e sobre desenhos institucionais dos programas de urbanização de favelas ver LARANJEIRA (2003) e BRAKARTS (2002). 

  [2] A população vivendo em situação de pobreza, refere-se à parcela da população com renda per capita mensal de meio salário mínimo  e a população em situação de miséria, é a que se encontra abaixo dessa linha de pobreza (dado de agosto de 2000, R$75,50 IPEA/PNUD/Fundação João Pinheiro).

[3] A fonte é a PMSA/DEHAB/GDC. O dado, que se refere a outubro de 2002, foi produzido tomando como referência o Cadastro Municipal de Domicílios em Favela e considerando a média de 4,4 pessoas por núcleo familiar, obtida na Pesquisa Amostral dos Assentamentos Informais do Município de Santo André, realizada em 1999 pela  CTA- PMSA.

[4] Foram aplicados 2.500 questionários, em entrevistas realizadas em 29 núcleos de favela, divididos em três universos: favelas urbanizadas (720 entrevistas), favelas parcialmente urbanizadas (880 entrevistas) e favelas sem intervenção (novecentas entrevistas). A amostra é estatisticamente válida para analisar e comparar os três universos e representativa para o município de Santo André, sendo que a margem de erro absoluto é de 1,85%, e de erro máximo por universo, 3,15% .

[5] Ver BANCO MUNDIAL (2001), DUPAS (1998, 1999), MARAYAN (2000), MARICATO (1996), SPOSATI  (1997), ROLNIK (1999).

[6] Para MARICATO (1996: 83), a “exclusão é um todo” (expressão retirada da Charte Européenne pour le Droit  à Habiter et la Lutte contre L’exclusion [Constituição Européia para o Direito à Habitação e a Luta contra a Exclusão], 1993) porque envolve aspectos sociais, culturais, econômicos, políticos e ambientais.

[7] O componente ‘crédito e fomento aos pequenos negócios’ é desenvolvido pelo Banco do Povo. O Banco do Povo de Santo André foi constituído em abril de1998 e é estruturado em forma de organização não governamental, com a participação dos mais variados segmentos da sociedade local, como empresários (associações comerciais e industriais), sindicatos patronais e de trabalhadores e universidades. O crédito é disponibilizado para estabelecimentos formais e informais, em valores pequenos, mediante procedimentos relativamente simples, com exigências flexíveis de garantia.

[8] Até maio de 2002, o valor médio dos empréstimos concedidos pelo Banco do Povo aos moradores das favelas atendidas pelo PIIS foi de mil reais, destinados sobretudo a capital de giro (80,48%). A maioria dos tomadores de empréstimo (89,46%) era de empreendedores informais, 44% dos empréstimos foram concedidos a mulheres e a taxa de inadimplência foi de apenas 1,13%, correspondente a dois clientes.