Escalas de análise das favelas do Rio de Janeiro

Tainá Reis de Paula
(UFF, Orientadora: Maria Lais Pereira da Silva, Pesquisa: "A iconografia das favelas do Rio de Janeiro: caminhos do (re)conhecimento do território e da memória urbana")

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O seguinte trabalho é na verdade um subproduto da pesquisa “Iconografia das favelas cariocas: caminhos do (re) conhecimento do território e da memória urbana”, desenvolvida no âmbito da Universidade Federal Fluminense. A pesquisa busca através da elaboração e identificação de mapas, bem como a análise de fotos das favelas do Rio de Janeiro, recuperar os dados de formação territorial dos espaços favelizados enquanto pertencentes à cidade, num processo que apóie a elevação da auto-estima e o resgate da memória local dos moradores de tais espaços.


Figura1: Estudo de escalas de representação. Montagem cujo tema é a favela da Praia do Pinto, removida na década de 70 da zona sul carioca, demonstrando as três escalas de visualização de áreas favelizadas. Fontes: Arquivo Nacional e Arquivo IBAM

Traçar uma co-relação entre o território das favelas e o processo de expansão da cidade, aliada aos pontos fundamentais dos movimentos de ocupação e produção dos espaços favelizados cariocas são os pontos principais aqui levantados. Para isso, desenvolvemos um processo relacional entre as diferentes escalas que definiriam/representariam uma favela: da primeira, correspondente à menor escala de representação podemos aferir aspectos do cotidiano do interior das favelas, uma caracterização mais precisa da habitação produzida (materiais, implantação, etc); numa segunda escala veríamos a relação da favela com o bairro, seu território circundante e as variações e/ou similaridades cabíveis; já numa  escala mais abrangente pode-se apontar as dinâmicas macro-territoriais, com o uso de mapas e fotos aéreas, relacionando as mudanças ocorridas no tecido urbano , processo formador da cidade, aos espaços favelizados.

Com a análise dessas três escalas, onde a casa construída na favela ganha uma localização no “espaço-cidade” (LACOSTE,1985) e tem recuperada a sua identidade enquanto pertencente a esse espaço, novas possibilidades de análise se configuram, podendo-se tratar não só de maneira relacional – favelas distantes territorialmente( zona sul, zona norte, etc), processos distintos de ocupação, movimentos culturais relevantes distintos (jongo, escolas de samba, folia de reis) – mas também de modo mais direcionado, onde a mesma favela pode ser vista de três modos diferentes, em três perspectivas diferentes.

Cabe lembrar que no processo relacional para análise desses espaços de produção vernacular utilizou-se uma periodização que engloba dos primeiros anos da década de 20, aos últimos anos da década de 60, onde a mudança da política nacional influenciará de forma decisiva os territórios em questão e em pontos mais gerais relativas a eles, como os processos migratórios, de remoção por parte do Estado, etc.

Como produção exemplificadora dos temas abordados na pesquisa (parte disposta em anexo), seleciona-se favelas de diferentes locais do município (dentro dos parâmetros de análise acima transcritos de forma sucinta) como referência, acompanhando a temática desenvolvida no escopo do trabalho: Serrinha na zona norte, Morro de São Carlos na área central, Morro da Catacumba e Praia do Pinto, ambas na zona sul carioca e removidas totalmente na década de 70.

 Ainda nesse processo de análise podemos apontar a realização de um mapa que, desenvolvido a partir da base cartográfica do Plano Doxiadis (1965) [1], representa a maior escala de representação trabalhada no escopo da pesquisa. Este mapa tenta relacionar a dinâmica de expansão da cidade ao surgimento das favelas nos diferentes períodos recortados. Neste sentido acentua-se alguns vetores como a sua expansão ,por exemplo,  acompanhando a linha férrea, uma das grandes responsáveis pela expansão do subúrbio carioca. Outro vetor abordado é a construção do eixo viário da Avenida Brasil que terá suas margens, a partir da década de 40, intensamente ocupadaspor espaços favelizados.


Figura 2:
Mapa elaborado a partir de base cartográfica elaborada para Plano Doxiadis, mostrando dinâmica de expansão das favelas. Em roxo o sentido do desenvolvimento do eixo que acompanha a Av. Brasil, impulsionado a partir de sua criação em 1946; em vermelho o sentido de crescimento das favelas da Zona Sul do município, algumas iniciadas em paralelo com as situadas na área central da cidade (nas décadas de10, 20 e 30); em amarelo temos a favelas localizadas no “interior” do município, no sentido centro-norte,  impulsionadas entre outros aspectos pela linha férrea da cidade e a intensificação da ocupação suburbana carioca, em meados das décadas de 40 e 50; já a mancha em branco, representam as favelas da zona oeste da cidade, de ocupação tardia numa primeira análise, podendo-se citar a favela da Restinga e outras de Jacarepaguá, identificadas nas listagens  como iniciando-se no final dos anos 50 e se intensificando no final da década de 70.

É Importante frisar que, no processo de recuperação e ressignificação (KOSSOY, 2001) das representações iconográficas trabalhadas, a primeira escala, onde se descobre a rua, a casa e por fim o indivíduo-morador, será sem dúvida a mais importante. De fato será nela e a partir dela que este  indivíduo poderá se reconhecer enquanto pertencente à cidade e, no caso das favelas, passar à agente formador do espaço em que ocupa e, que se mostra, na maioria das vezes, mais dinâmico do que o restante da cidade dita formal (VALLADARES, 1998). Observe-se que, neste sentido, a favela torna-se um dos raros exemplos de fragmento urbano participante e modelador da urbe, de forma alguma menos importante ou à margem das transformações maiores ocorridas no âmbito da cidade.


Figura 3: Foto do Morro da Providência na área central da cidade, evidenciando menor escala de análise, Fonte: Arquivo Nacional.

É importante ressaltar o caráter diferenciador de cada favela, seus aspectos formadores e como isto se vê representado no processo de recuperação de uma identidade muitas vezes perdida ao longo dos anos e/ou ignorada pelo restante da cidade. Será nesse processoinverso que a pesquisa e por conseguinte este trabalho se encaminharão, resgatando e consolidando o espaço-favela, seus elementos formadores e seu indivíduo-morador no território urbano, numa perspectiva de permanência e continuidade desses espaços no tecido e na memória urbana.

 

Notas

[1] O Plano Doxiadis foi elaborado pela firma grega Doxiadis Associates entre 1964 e 1965, por encomenda do então Governador Carlos Lacerda, onde se fez uma contagem amostral de domicílios de favelas, estimando-se a população favela por favela. Desta pesquisa surgiram  não só mapas de localização de cada aglomerado, como estimativas de seu crescimento, ampliação territorial, etc.