Os anos 1930

Ainda que não sejam apresentadas mudanças significativas na produção da habitação durante a década de 30, algumas propostas alternativas são apresentadas. Como exemplo, temos a indicação de um outro modo de viver que rompe a hierarquia dos espaços rígidos por meio de um ambiente integrado, dividido por cortinas e sem espaços de serviço, da "Casa do solteiro" (A Casa, 1930, n.70, p.53). A justificativa para a ausência das áreas de serviço apresenta-se como reflexo das mudanças em relação ao trabalho doméstico: "nos tempos de hoje, com a falta crescente de empregados que se váe verificando em toda parte, são inúmeras as simplificações que se vem introduzindo nas diversas dependências da habitação, afim de facilitar não só as arrumações como os próprios movimentos dos moradores". Outro exemplo é a proposta da "Casa giratória" (A Casa, 1930, n.72, p.14) que permite ao morador escolher o melhor posicionamento da casa para desfrute do sol, do ar e da luz, esbarrando, ainda que superficialmente, na discussão sobre a autonomia do usuário. Neste projeto, "a construcção descança numa plataforma análoga á empregada nas estações de estradas de ferro".

Contudo, esses conceitos mostram-se ainda frágeis. Artigos como os das "Casas Geminadas" (A Casa, 1930, n.78, p.7) e das "Casas Populares" (A Casa, 1931, n.81, p.21) mostram que as premissas do projeto de moradias ainda eram muito genéricas, isto é, sem nenhum aprofundamento conceitual, espacial ou técnico-construtivo. O primeiro artigo apresenta o desenho de duas casas similares, com área entre 45 e 50m2, dois quartos, cozinha, copa, sala e banho. Já o segundo artigo apresenta o projeto através de fotos e desenhos da fachada principal, mas, ambos sem nenhuma referência conceitual ou técnica do espaço.

O debate da autonomia do usuário, presente nestes dois artigos anteriores, é, de fato, incipiente já que as previsões de ampliação ou de escolha da fachada ainda são pré-determinadas e arraigadas às questões formais e estéticas. Um outro exemplo disso é o projeto da "Casa Proletária" (A Casa, 1938, n.173, p.39-41): os três módulos apresentados "obedecem á sequencia progressiva do aumento futuro sem nenhum prejuízo estético para as casas." O primeiro, de 35m2, possui sala, cozinha, banheiro e um quarto. Os outros dois módulos prevêem um único acréscimo de quartos ligados à sala. Também são colocadas algumas sugestões sobre a inserção urbana e o tratamento estético da casa, ainda que de maneira geral: "recomenda-se para que ela se destaque e chame mesmo a atenção: 1o - que seja construída o mais que for possível, afastada da rua; 2o - que entre a rua e a casa haja um pouco de vegetação; 3o - que as paredes sejam brancas, o telhado vermelho e as esquadrias de madeiras em geral verde, marrom ou laranja".

Muito longe de ser um exemplo de produção autônoma, as casas apresentadas acima, assim com a apresentada no artigo "Como se Prevê o Accréscimo Futuro" (A Casa, 1933, n.108,p.10-11) detêm-se na pré-determinação do projeto e suas consequentes questões formais. O ponto de partida desta última proposta é oferecer uma opção de estilo - moderno (laje) ou bangalô (telhado) - que diferencia-se apenas por um atributo de valor subjetivo: "aí está, caro leitor, uma planta com duas fachadas differentes, uma moderna e outra typo 'bungalow' ". Ainda que a previsão de aumento dos cômodos esteja presente - "trata-se de uma casa que pode ser augmentada" - não revela possibilidades reais de modificações espaciais feitas pelo usuário. O projeto era vendido pelos correios, de maneira simples - "este projeto pode ser adquirido da mesma forma que o 'picolé' " - referência a outro projeto igualmente disponível para venda em estilo pitoresco.

Nesta linha de pensamento, percebe-se que, na realidade, os projetos apresentados vêm reforçar a segregação tanto espacial quanto social, evidenciada nos anos 30. Os modelos de casas são apresentados como a solução mais adequada para as pessoas que querem viver longe da promiscuidade dos apartamentos. O artigo "Os Apartamentos, factores da crise de habitações" (A Casa, 1931, n.84, p.5-6) questiona as origens dessa tipologia, argumentando que estes são construídos para gente modesta, de poucos recursos, que trabalha e precisa estar no centro urbano: "em toda a parte do mundo o apartamento é a casa de aluguel por excellencia; dificilmente se pode alugar uma casa isolada".

Logo em seguida, projetos de apartamentos, sobretudo alemães, comparecem, mas ainda com propostas, de uma maneira geral, voltadas à composição de fachadas e de cores bem como ao uso de materiais que confirmam suas premissas estéticas. "Faixas de tijolos aparentes intercaladas com outras de reboco claro e os corpos salientes são de um belo efeito", afirma o artigo "Apartamentos Econômicos em Diversos Bairros no Norte de Berlim" (Arquitetura e Urbanismo, 1936, n.3, p.156-158). A proposição da limpeza física das edificações, coerente com a política higienista mundial da época, também é parte importante da proposição formal, ou seja, reforça-se na medida em que os arquitetos tratam esteticamente os conjunto habitacionais e não aceitam qualquer intervenção dos usuários nos espaços. As fachadas, de cores vivas e uniformes, abrem-se deixando aparentes os pátios internos ajardinados e são movimentadas com grandes balcões. A existência de duas lavanderias centrais coletivas revela as tentativas de se impor um outro modo de morar aos pobres.

Em artigo anterior, "Apartamentos Econômicos" (Arquitetura e Urbanismo, 1936, n.2, p.36-41), projetos de bairros alemães, dos arquitetos Bruno Taut, Paulo Mebes, Paulo Emmerich, Henrique Tessenow, Engelmann e Fangmeyer, já davam a importância às questões estéticas (ausência de decoração) e funcionais (tipos variados de moradias) mas também ao atendimento à política higienista alemã: "a concessão dos empréstimos era feita por meio de uma regulamentação especial e rigorosa, que tinha sobretudo em vista melhorar as condições higiênicas das habitações operárias e modestas, acabando com as famosas MIETKASERNE ou casas coletivas de pateos sombrios". Para garantir entrada de luz e do ar, todas as habitações voltariam-se para os logradouros públicos ou grandes pátios internos deixados inteiramente livres dentro dos quarteirões. Foram suprimidos os chamados poços de ar bem como determinado que as intervenções dos moradores nos pátios, como galinheiros e tanques de lavar roupa, não seriam aceitas em função de razões estéticas e higienistas.

No que se refere aos novos materiais, ainda que percebamos o início da propaganda do cimento e da difusão do concreto armado, a madeira ainda apresenta-se como o único material alternativo à alvenaria convencional, como por exemplo no "Tendas de Férias" (A Casa, 1938, n.167, p.18-19). A promoção da tecnologia do concreto divulgada, principalmente, por construtoras alemãs e por laboratórios da construção, acontece também por meio de cursos, como o "Curso de Concreto Armado por Correspondência" (A Casa, 1937, n.156, p.4). O principal argumento é que qualquer pessoa com "conhecimentos rudimentares de arithmetica" tenha capacidade de segui-lo. As trinta aulas, com duração de seis meses, habilitavam o aluno a calcular o concreto armado, em sete etapas: noções preliminares, coluna, lajes, vigas, fundações, parte complementar e projeto completo. Ainda em resposta às demandas higienistas, as propagandas de cimento veiculavam mensagens de venda do cimento à problemática da higiene e da saúde, como em "Prolongando nossas vidas" (A Casa, 1938, n.167, p.1]: "o Cimento Portland MAUA está tendo uma acção preponderante no melhoramento dos systemas de esgôtos, no cóntrole das epidemias e na preservação da saúde individual ou collectiva. Padarias, cafeterias, açougues, fabricas de conservas ou sorveterias, são grandes consumidores de concreto devido à grande facilidade em conserval-o limpo. As fossas, cisternas e bordas de poços de concreto têm se tornado uma garantia de saúde para milhares de fazendeiros. Os hospitais e as escolas empregam exclusivamente o concreto por ser tão hygienico. As donas de casa reconhecem que as habitações de concreto são as que mais facilmente se conservam limpas. Como resultado do emprego do concreto nestes e em outros fins, a vida de hoje é prolongada e a mortalidade infantil está sendo reduzida".



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