Os anos 1940

Alguns preceitos, já apontados nos anos anteriores, são ampliados nesta década como, por exemplo, àqueles ligados às ações higienistas e ao controle social da população. Além disso, a produção das unidades habitacionais coletivas, articuladas com outras funções como restaurantes, lavanderias, enfermaria, assim como espaços para crianças, lazer e práticas esportivas, começa a ser publicada como solução para a insalubridade presente nas moradias isoladas - casarões, mocambos, favelas e cortiços. É inevitável perceber que a política habitacional brasileira, àquela época, já começava a se referenciar aos conceitos e às estratégias de projeto da habitação coletiva receitada pelo movimento moderno internacional.

O conceito das "Unités d'Habitacion" (1947-52), Marseille, obra canônica do modernismo de Le Corbusier, foi acomodado em vários outros projetos de inúmeros arquitetos no Brasil e em todo o mundo. A "unidade habitacional", colocada sobre pilotis e em estrutura livre, apóia-se por espaços funcionais para lojas, esportes, posto médico, livraria, escritórios, escola e hotel. Embora esse tipo de habitação só tenha sido construído no Brasil a partir dos anos 1950, como veremos à frente, nos anos 40 já eram anunciados os princípios que potencializariam a arquitetura moderna: concreto armado, elevador, espaços com ventilação e insolação assegurada e a associação da habitação mínima com serviços de apoio.

Nessa perspectiva, o artigo "A Casa que Cresce" (A Casa, 1940, n.195, p.20-21), apresenta projeto do concurso internacional de Viena denominado "Sol, ar e casa para todos". É uma habitação com proposta de ampliações, mas, como nas décadas anteriores, de maneira pré-determinada. Os desenhos de perspectivas e plantas confirmam suas principais premissas: "uma casa pequena, mínima (o núcleo, que possa aumentar com o acréscimo de novas peças habitáveis, à medida que cresçam as necessidades de recursos do proprietário), mas de modo que, em qualquer etapa, a casa constitua uma unidade orgânica. Era fato estabelecido que a casa devesse permitir aos moradores contacto direto com o ar, luz e jardim: devia ser para uma família única, não ter menos de 30 metros quadrados, no primeiro período, nem mais de 80 metros, em seu estado definitivo, e ser de construção insulada ou encostada a outra igual."

Os estreitamentos entre a habitação, o espaço urbano e a salubridade também se fazem presentes no artigo "A Habitação Popular" (A Casa, 1941, n.201, p.9-12). No início ressaltam-se as transformações das relações de trabalho provocando igualmente transformações no conceito do habitar. Se antes a vida transcorria no próprio local "em que se explorava a propriedade", agora o local do trabalho não mais se incorpora à habitação. A cidade operária nasce e avassala todo o espaço, "agravando todos os males com o maquinismo e a produção coletiva de grande rendimento".

A partir da década de 40, os pobres passam a caber nas prescrições do urbanismo moderno, mas apenas porque são vistos como uma "grande multidão de trabalhadores e empregados", ou em outras palavras, "massas populares". Nesse sentido, o autor do artigo "A Habitação Popular" afirma não ser mais possível admitir que as massas se alojem nos "velhos casarões" ou nas habitações insalubres que se "aglomeram ao longo das ruas tumultuosas, pardieiros que só teem por horizonte as fachadas fronteiriças ou o pedaço de céu entrevisto através das frestas das cornijas [...] um cinturão perigoso para a sociedade e para a civilização". Para o movimento moderno, e seus seguidores, "na casa coletiva bem acondicionada" a família da classe média poderia reconquistar a "liberdade e a alegria de viver como nunca tinha imaginado".

Seria ingênuo pensar que a liberdade e a moral, necessárias à realização do projeto moderno, pudessem estar vinculadas à habitação mínima e aos serviços comuns (espaços livres para passeios, circulação e esportes) provocando supostamente soluções para a problemática habitacional no que se refere à higiene e ao controle social. Mais importante é entender que, desde o início do século XX, o poder público, intelectuais e técnicos vêm tratando a habitação como deterioração da organização urbana e social, e não como consequência da 'armadilha' criada pela imposição das regras econômicas e das estruturas sócias-políticas do modelo capitalista.

Assim, os casarões e mocambos revelavam "situações moralmente intoleráveis e juridicamente inadmissíveis, ante a notoria angustia da nossa economia social", afirmou o Engenheiro Francisco Batista de Oliveira, em conferência no Instituto de Engenharia de São Paulo, transcrita no artigo "A Casa Proletaria Brasileira" (Acrópole, 1940, n.27, p.105.106 e 124). O engenheiro sugere que o país conheça melhor suas estatísticas sobre o assunto na busca de soluções lógicas e eficientes, e oferece, neste artigo, uma variedade de projetos internacionais que seguem dois importantes pressupostos: a consideração de preceitos sanitários e a comparação da cidade com um organismo vivo.

Não sendo tão simples assim, o engenheiro Paes Barreto, coerentemente, afirma no artigo "Os Conjuntos Residenciais em Santo André e Osasco" (Acrópole, 1942, n.53, p.161-164), que os intelectuais, ativos nas discussões em congressos sobre o problema da habitação popular, não conseguiam chegar a uma sistematização de "princípios norteadores" de suas ações. Entretanto, de maneira proveitosa, culpa os salários baixos do operariado como fator de impedimento à compra de uma habitação que possibilitasse o "soerguimento físico e moral do indivíduo". Dentro dessa visão estreita, o autor apresenta os conjuntos residenciais de Santo André e Osasco, chamados de soluções parciais, que se constituem por "núcleos de casas, com requisitos higiênicos, sem comparação com os mocambos, favelas ou cortiços", somados à escola rural, creche e igreja, mas que sacrifica, porém, "as soluções urbanísticas aconselháveis, com o intuito de reduzir ao mínimo o valor da habitação".

As casas construídas em Santo André pertencem ao tipo individual mínimo, projetado para habitação burguesa de uma família de cinco pessoas - sala, quarto para casal, quarto para filhos, cozinha, banheiro e duas varandas, perfazendo uma área coberta de 56,88m2. Em Osasco, o conjunto construído funcionou inicialmente como acampamento dos operários do canteiro da obra, permitindo que a construtora extraísse de sua mão-de-obra uma "maior produção individual", fazendo jus aos preceitos da ordem capitalista. Embora, já compareçam intensamente as propagandas sobre as "vantagens do cimento amianto" (Acrópole, 1941, n.44, p.269) e dos "elevadores e cimento" (Acrópole, 1940, n.27, p.82), elementos pertencentes à arquitetura moderna, as paredes de alvenaria de tijolo, cobertura de telhas planas forradas com frisos de madeira, esquadrias de cedro e peroba rosa formaram as principais especificações dos conjuntos residenciais de Santo André e Osasco.




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