Os anos 1950

Neste período, os projetos e construções dos grandes conjuntos habitacionais, como divulgado em "Cidades monções" (Acrópole, 1950, n.151, p.206), representados por arquitetos emblemáticos do movimento moderno brasileiro a ser legitimado, fazem-se presentes, orientados pelas premissas já apontadas nos artigos da década anterior - a produção seriada de unidades habitacionais coletivas (de moradia mínima) associada aos serviços como restaurantes, lavanderias, enfermaria, locais para crianças, passeios e práticas esportivas. Temos como exemplos:

"Conjunto Governador Kubitschek" (Arquitetura e Engenharia, 1953, n.28, p.31-36): ainda que na época do projeto o problema da moradia em Belo Horizonte não fosse "tão agudo como em outros centros maiores", já mostrava sinais de preocupação. Entretanto, bem aos moldes das "Unités d'Habitacion" francesas de Le Corbusier, o chamado edifício JK foi inaugurado sob uma estrutura imobiliária convencional, insegura e desastrosa, demonstrando muito mais a potencialidade produtiva política da parceria entre o arquiteto Oscar Niemeyer e Juscelino Kubitschek, então Governador de Minas, responsável por tantos outros frutos arquitetônicos. Ainda que o projeto tenha sido alterado posteriormente, conserva a premissa moderna de integração entre a habitação coletiva e os serviços de apoio (inicialmente em projeto, hotel, repartições públicas, serviços postais e telegráficos, agências de turismo e bancárias, estação rodoviária, restaurante, boite, praça de esportes com piscina olímpica, além de museu de arte e centro comercial).

"Conjunto residencial em Deodoro" (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.31, p.26): projeto de 1314 apartamentos construídos pela Fundação da Casa Popular, com a relevante preocupação de que o valor da parcela de amortização não ultrapassasse 25% do valor do salário mínimo família. Para tal, o arquiteto, Flavio Marinho Rego, abandonou "todos os requisitos de plástica e acabamento", valorizando a padronização dos elementos e a simplicidade nos esquemas de instalação e estrutura. Estas orientações foram expandidas aos projetos da escola, do centro de saúde, do mercado e da administração, revelando a obsessiva busca do conjunto economia-padronização como resposta efetiva de projeto ao problema da habitação.

"Conjunto residencial, Bairro das Perdizes" (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.31, p.52-53): o arquiteto Abelardo de Souza privilegiou as recomendações de um projeto moderno ao localizar os blocos de modo a permitir que o sol, o ar e a vegetação tomassem parte predominante no conjunto.

"Conjunto residencial da Gávea" (Arquitetura e Engenharia, 1955, n.37, p.8-13): este projeto, juntamente com o projeto do "Conjunto Pedregulho", de Affonso Eduardo Reidy, um dos principais protagonistas da arquitetura moderna, são internacionalmente distintos como exemplares da importante relação entre o objeto e a natureza. Neste artigo, entretanto, o valor compositivo do edifício da Gávea ainda não viria à tona; o projeto é apresentado como possível solução para os trabalhadores que precisam se manter próximo ao seu local de trabalho, representando, para estes, "economia, melhor alimentação, mais tempo para repouso e recreação" e, para a cidade, alívio aos "já sobrecarregados meios de transporte". Entretanto, é igualmente divulgado como resposta ao problema das favelas que, segundo o artigo, seria pouco a pouco solucionado se a construção de conjuntos residenciais como este fosse efetivada. A imagem das favelas mostra-se ainda vinculada à desordem social: "cortiços e a promiscuidade de vida (...) forçosamente terão que desaparecer, oferecendo ao trabalhador e sua família uma acomodação mais digna". Desnecessário dizer que soluções como esta, supostamente aplicadas à revelia, não causaram o resultado esperado. É importante ressaltar o erro do Departamento de Habitação Popular (Secretaria Geral de Viação e Obras da Prefeitura do Distrito Federal) ao considerar o modo de viver e de morar dos operários, inseridos na economia informal, e dos funcionários municipais, inseridos na economia formal e, "preferencialmente beneficiários do empreendimento", iguais. A determinação das funções da vida cotidiana (habitação mínima articulada com jardim de infância, escolas maternal e primária, capela, ambulatório, mercado, campo para prática de desportos e auditório ao ar livre), soluções formais recomendadas ao lado do pilotis e da aplicação da tecnologia do concreto armado, revelam muita mais a forte relação de Reidy com as premissas modernas de Le Corbusier e dos Congressos Internacionais de Arquitetos Modernos (CIAM), do que coerência com os moradores do lugar.

Tanto o Conjunto da Gávea (1952) como o do Pedregulho (1948) são parte de uma série de iniciativas realizadas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAP), na gestão da engenheira Carmen Portinho no Departamento de Habitação Popular do Distrito Federal. Influenciada por sua experiência no exterior e sempre cercada de arquitetos seguidores da arquitetura moderna viabiliza a construção de vários edifícios habitacionais equipados com serviços sociais, soluções estas opostas aos blocos de apartamentos e às casas, ambos isolados, e amplamente criticados por ela.

Esse período é marcado pela intervenção estatal na produção da habitação em massa, exemplificado pelos artigos relativos ao Plano Nacional de Habitação do governo JK. De "agradável aspecto e sólida construção", as 1035 unidades habitacionais seriadas e iguais dos "Conjuntos Residenciais operários em Belo Horizonte" (Arquitetura e Engenharia, 1958, n.49, p.VIII-IX), foram vendidas por meio de amortização mensal aos seus ex-combatentes, trabalhadores em geral, e também, trabalhadores da fábrica de cimento Itaú, presente ao lado do empreendimento. Não surpreendentemente, o conjunto foi inaugurado no dia do trabalhador, "com a presença do chefe da nação". Na prestação mensal, estaria incluída taxa de seguro de vida que garantiria à família do trabalhador a tranquilidade da posse do imóvel em caso de sua morte, como parte das metas do governo de promover a estabilização das vidas dos trabalhadores em um "padrão de justiça e dignidade".

Com projeto de Oscar Niemeyer, as "Casas populares em Brasília" (Arquitetura e Engenharia, 1958, n.48, p.XII-XIII) apresentam "linhas modernas, harmoniosas e funcionais" e preenchem, segundo o artigo, todos os requisitos de "higiene e conforto". Entretanto, servem de pano de fundo para a reafirmação do Plano Nacional de habitação do governo JK, que quer libertar o trabalhador dos "encargos de locações, sempre onerosas, e da intranquilidade da luta pela conquista de um lar próprio". A política administrativa do governo JK reforça a exploração do "sonho da casa própria" do trabalhador, iniciado nos anos 40 pelo presidente Getúlio Vargas.

Ao lado das iniciativas públicas, o investimento das grandes indústrias na construção das casas para seus operários é explicitado. O projeto do "Conjunto residencial para operários" (Acrópole, 1954, n.193, p.1-5) da Tecelagem Paraíba, projeto do arquiteto Rino Levi, tem como ponto de partida o atendimento a dois requisitos, até então ignorados nas soluções para a habitação, segundo o autor do artigo: as "particulares circunstâncias econômicas" do operário de baixo nível técnico e a "qualidade da obra" por meio de "boas condições de confôrto físico e espiritual". Comparecem as premissas modernas da unidade da habitação, seriada e única, aliada aos anexos de uso comum (centro de saúde, creche, jardim de infância, escola, mercado, igreja, centro social e campo de esportes). Não obstante, respeitam os "costumes dos habitantes da região, que não dispensam o jardim de uso privativo, embora pequeno, e tendo-se em conta as condições econômicas do empreendimento, abandonou-se de início qualquer idéia de prédios elevados". É clara a preocupação da empresa em proporcionar ao operário todas as funções necessárias para que o seu cotidiano não seja alterado ou prejudicado ao ponto de interferir em sua atividade produtiva. A organização dos serviços e do abastecimento sob a "orientação e direção direta dos proprietários da fazenda", ainda que por sistema de cooperativa, reforça o argumento do controle social dos operários.

O projeto do "Conjunto residencial para a Mannesmann" (Acrópole, 1956, n.207, p.104-107), projeto do arquiteto Henrique E. Mindlin, em Belo Horizonte, é mais explícito em seu objetivo: "integrar uma população ponderável - cerca de doze a treze mil pessoas na fase final do plano - em um legítimo grupo social, aglutinado em torno das atividades da Companhia Siderúrgica Mannesmann". Essa previsão é a que corresponde, obviamente, "ao número de pessoas necessárias ao trabalho, à administração e à direção técnica da fábrica, bem como a todos os trabalhos e serviços inherentes à própria existência do Conjunto Residencial". As habitações se dividem em 3 grupos, em unidades seriadas, evidenciando que, sob o olhar do empreendedor, a resposta para a problemática habitacional está ligada à categorização social dos moradores: alojamento para solteiros, apartamentos para casais sem filhos, casa geminadas para casais com filhos.

Dentro da instância acadêmica, o tema favela é abordado - "Dez milhões de brasileiros moram em favelas e choupanas" (Habitat, 1954, n.16, p.29). Os alunos da Faculdade de Arquitetura de São Paulo, orientados pelos Profs. J. Villanova Artigas e Abelardo de Souza observaram as "condições de vida de seus habitantes, fazendo um censo demográfico" com o objetivo de "apresentar uma solução para a referida favela". Alguns dados estatísticos sobre este censo aparecem: 529 habitantes em 169 habitações, perfazendo uma média de 5,5 m2 por pessoa, com 2 a 10 habitantes por aposento; os barracões de 20 m2, em média, são localizados em áreas afastadas cerca de 3 horas do trabalho. Quanto aos dados sobre as condições de vida, os autores do artigo dizem ser desnecessário indicá-los, considerando os algarismos suficientes para atestar "a crueza de sua situação".

O artigo "Projeto de Urbanização de Favela" (Brasil - Arquitetura Contemporânea, 1957, n.12, p.23-28) propõe a implantação de unidades de habitação - blocos de apartamentos ou moradias individuais - para a "massa favelada". Com os "partidos adotados", os arquitetos afirmam ser possível tanto a "localização em terrenos planos" e quanto em morros onde as moradias já estejam "anarquicamente" estabelecidas. Os cuidados com a manutenção e higiene são tratados de maneira preconceituosa com claros objetivos de estabelecer comportamentos sociais para a "massa favelada" sem "educação específica". A "maior preocupação na elaboração dos projetos foi o estabelecimento de um padrão de higiene", necessária, segundo os arquitetos Guimarães, Brandão e Dodibei, já que "aos moradores, em sua maioria, falta o hábito de uso das peças sanitárias". Além disso, os espaços de permanência prolongada deveriam ser defendidos da "contaminação proveniente de condições deficientes". Ao contrário, revela-se a completa ingerência dos arquitetos ao lidar com a questão habitacional e a falta de compreensão do modo de morar dessa "massa".

Uma outra resposta à questão da habitação é apresentada, utopicamente, como uma releitura da "Casa Giratória" (Arquitetura e Engenharia, 1954, n.33, p.59), apresentada na década de 1930: uma casa de base circular firme, estruturada em cimento armado, convenientemente assentada no terreno. Entretanto, o artigo não apresenta discussões quanto às possibilidades de ambientação ou alterações dos espaços.

Seguindo a preocupação de racionalização do projeto e da construção, continua a divulgação de materiais alternativos: a argamassa impermeabilizada que resiste ao tempo "Superlit" (Arquitetura e Engenharia, 1951, n.17, p.9); o "quebra sol de cimento amianto Brasilit" (Arquitetura e Engenharia, 1951, n.17, p.65), com finalidades além do seu "primitivo destino" ("cortar a visibilidade", "dividir ambientes" ou harmonizar esteticamente o edifício); e produtos de "cimento amianto" (Arquitetura e Engenharia, 1952, n.18, p.15) , "100% indicado para o nosso clima". Além disso, reforçando as premissas modernas dos espaços mínimos para a habitação, "detalhes técnicos" (Acrópole, 1954, n.187, p.349-350) de um banheiro econômico de Oswaldo Arthur Bratke, um dos principais nomes da arquitetura paulista, são publicados.

O uso do pré-moldado continua a ser apontado, a partir de agora tanto na arquitetura habitacional quanto na arquitetura industrial. Em relação à habitação, artigo sobre o projeto do "Conjunto Residencial do IAPI" (Arquitetura e Engenharia, 1955, n.35, p.51), de Eduardo Knesse de Melo, tem como opção estrutural, estacas pré-moldadas de concreto armado. Referindo-se à indústria, o artigo "A pré-fabricação na arquitetura industrial" (Acrópole, 1956, n.212, p.319-323) mostra a construção de um armazém e as vantagens do pré-moldado de concreto armado vibrado como solução elástica e articulada, adequada à montagem e à desmontagem de ambientes. O projeto segue o sistema patenteado pelo Eng. Luis Toschi, sendo este, o primeiro edificado no Rio de Janeiro. A Construtora Edibrás sugere, no artigo, que a aplicação de tesouras de concreto armado seja ampla em todo o Brasil, comprovada a sua eficiência sob "todos os pontos de vista", principalmente o econômico quando comparada às soluções de tesouras em ferro e ao valor do prêmio de seguro a respeito das estruturas de outro material, como a madeira, por exemplo.

Contrapondo a valorização do cimento e do concreto armado, temos um exemplo puntual, o já apresentado "Conjunto residencial para operários" (Acrópole, 1954, n.193, p.1-5), cujos materiais usados seriam retirados da região: "a construção é prevista aproveitando-se madeira, areia de rio, olaria, e nas oficinas de carpintaria e serralheria e mão de obra da própria fazenda".




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