Os anos 1960

Na década de 60, a divulgação de projetos de unidades habitacionais associados aos serviços continua, porém, como foco secundário de discussão. A promulgação dos componentes pré-fabricados, aliado ao estímulo crescente da industrialização da construção, comparece como solução central ao problema habitacional brasileiro. Hoje, sabemos que a promoção da industrialização da construção não foi suficiente para minimizar os dados estatísticos referentes ao déficit habitacional brasileiro, estimado em 2005 em quase oito milhões de unidades, segundo a Fundação João Pinheiro.

Uma das justificativas para o uso de componentes pré-fabricados, àquela época, era a maior velocidade imposta à construção, argumento presente nos artigos referentes às pesquisas de casas que poderiam ser montadas em tempo recorde - 10 dias, 8 dias, 28 horas, 8 horas, 5 horas e até a casa pronta que sai da fábrica, como veremos a seguir:

(1) "Casa de Fibrocimento" (Dirigente Construtor, 1965, n.7, p39-44): projeto de uma casa-piloto de 72,34m2, montada em 10 dias, que utiliza estrutura de montantes metálicos, preenchida por painéis compostos por folhas de fibrocimento separadas por uma camada de lã-de-rocha e isopor, encaixados e parafusados. O arquiteto Esteban Haasz quer provar o comportamento da casa sob condições diversas de temperatura e clima.

(2) "Fôrmas metálicas" (Dirigente Construtor, 1966, n.3, p.35-37): como "esforço para estimular a construção", a casa é um sistema baseado em edificações monolíticas que poderia ser construída em 8 dias. "A chave do processo reside no ligante de secagem ultra-rápida, descoberto depois de anos de pesquisa, e que permite a desformagem quase imediata das paredes da casa".

(3) "Pré-moldados de concreto" (Dirigente Construtor, 1964, n.1, p.46-52): "com um guindaste e sete homens é possível montar, em 28 horas, a estrutura de todo um pavimento de edifício de dimensões regulares com peças pré-fabricadas" - pilares, vigas e lajes nervuradas. Esse resultado foi alcançado pela Ribeiro Franco S.A., de São Paulo, na construção das estruturas de seis dos doze prédios que compõem o conjunto residencial da Cidade Universitária de São Paulo, onde foram utilizados peças de concreto pré-moldado.

(4) "Uma casa em 8 horas" (Dirigente Construtor, 1965, n.10, p.47-49): um equipamento mecânico, especialmente projetado, justapõe com facilidade painéis nervurados de concreto, dois a dois (...). A racionalização alcançada permite, segundo o arquiteto José Alberto Marialva Marques, montar uma casa com área de 37m2 em apenas 8 horas, desde que a mão de obra esteja convenientemente treinada. Não podendo deixar de lembrar das premissas estabelecidas pelo movimento moderno e as "unidades habitacionais" de Corbusier, seguem as seguintes vantagens do sistema, apontadas pelos fabricantes: adaptação a qualquer tipo de projeto arquitetônico; abreviação do tempo de construção; possibilidade de excepcional rendimento de mão-de-obra; redução do desperdício de material a taxa insignificante; boa resistência às intempéries; durabilidade; pouco peso; dispensa de cortes e rasgos; maior espaço útil, devido a pouca espessura das paredes. "Os fabricantes não esperam uma casa de custo sensivelmente inferior a das construções tradicionais, mas acreditam que ela possa competir vantajosamente para a produção em série em face das economias de mão-de-obra e de materiais requeridos pela edificação de alvenaria".

(5) "Pré-Fabricação pesada" (Dirigente Construtor, 1967, n.3, p.22-26): o sistema permite a construção de uma casa em 5 horas, com a vantagem das habitações poderem ser de quaisquer dimensões e tipos, inclusive sobrados e edificações de vários andares, usando painéis de vedação, piso e cobertura, que saem da fábrica internamente acabados, com os respectivos revestimentos, e já pintados, deixando-se para depois da montagem apenas a última demão de tinta.

(6) "Sai pronta da fábrica" (Dirigente Construtor, 1965, n.12, p.47-53): a casa mínima, de 45 a 50 m2, constitui-se de dois elementos que podem ser montados em apenas três horas, é transportada pronta, restando apenas o trabalho do assentamento sobre os alicerces.

A pré-fabricação era também usada nos projetos dos grandes conjuntos habitacionais financiados tanto pelo governo, por meio do Banco Nacional de Habitação (BNH), quanto pelas grandes indústrias. O BNH, criado em 1964, era um banco com a função de realizar operações de crédito e gerir o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), por intermédio de bancos privados e/ou públicos e de agentes promotores, como as companhias habitacionais e as companhias de água e esgoto.

O artigo "Governo Constrói Casas para Operários do DF" (Brasília, 1965 especial, p.28-29) mostra o projeto de 1.008 casas para as "famílias que atualmente habitam infectos barracos", parte da construção total de 10.000 moradias, vistas como responsáveis pela "consolidação de Brasília como capital do país". Assim como este, o projeto apresentado no artigo "Cooperativa Habitacional" (Acrópole, 1967, n.340, p.26-29), assemelha-se aos conjuntos habitacionais dos anos 50 financiados pela indústria, no caso a Usina da Barra, em São Paulo. Seus arquitetos, Oswaldo Corrêa Gonçalves e Heitor Ferreira de Souza, explicam que "dois motivos de natureza social seriam suficientes para justificar plenamente a construção do conjunto habitacional: 1. o atendimento da demanda habitacional existente nas cidades de Barra Bonita e Igaraçú do Tiete; 2. o agrupamento em um conjunto residencial aparelhado com equipamentos sociais básicos, de centenas de famílias que se acham no momento dispersas em vasto área rural". A estratégia da moradia associada aos equipamentos específicos (escolas, ambulatório, serviço social, recreação, mercado) é mantida, funcionando como instrumento para a "elevação do nível de instrução e cultura dos habitantes do conjunto residencial".

O "Conjunto Residencial do IPASE" (Dirigente Construtor, 1969, n.7, p.12-16), apresenta 1.977 unidades habitacionais por meio do uso da "pré-fabricação de know-how europeu" com fôrmas metálicas para a execução in loco de paredes portantes de concreto armado. A nova tecnologia é vista, por muitos, como iniciativa necessária para a efetivação da construção industrializada no país. De acordo com o artigo, os projetistas procuram "alcançar uma solução de perfeita integração social dos usuários dos diversos tipos de habitação, evitando-se o seccionamento de zonas em faixas de condições econômicas diferentes".

O artigo "Pré-Fabricação total" (Dirigente Construtor, 1966, n.6, p.12-16) mostra um sistema de pré-fabricação, baseado na patente francesa Barets, capaz de produzir e montar mais de um apartamento por dia, com áreas variáveis entre 32 e 80 m2. O conjunto Padre Anchieta foi usado como piloto na avaliação do sistema frente às particularidades brasileiras, entre elas, a reação do consumidor e a capacidade técnica produtiva da construtora responsável. O engenheiro responsável, Carlos da Silva, coloca a industrialização da construção como a única saída para "encarar o atual déficit habitacional do País".

Sendo ponto convergente das disciplinas da engenharia e arquitetura, a industrialização da construção é apresentada pelo engenheiro civil Teodoro Rosso, em seu artigo "Um imperativo inadiável: a industrialização da construção" (Acrópole, 1962, n.279, p.91-93;131-133), como solução para a redução dos custos da construção da habitação na medida em que esta ganhar "um cunho eminentemente industrial". O autor, que na década de 80 viria a escrever o livro "Racionalização da construção", evidencia a necessidade de reconsiderar os fundamentos da produção no campo da construção, "para imprimir-lhe um rumo completamente novo mediante a aplicação dos princípios próprios aos sistemas industriais".

Os argumentos de Rosso para a promoção da industrialização da construção eram justificados, essencialmente, pelos expressivos números do déficit habitacional em relação à produção habitacional e ao aumento populacional: "no nosso país, onde as fontes estatísticas mais categorizadas indicam um déficit atual de 3 milhões de residências, constroem-se cêrca de 100 mil casas por ano. Como consequência, houve por exemplo, no Estado da Guanabara um aumento de favelados de 300 mil em 1952 a um milhão e duzentos mil em 1960". Ao mesmo tempo, o autor faz uma crítica forte em relação ao modelo convencional da construção, classificado como "um artesanato mais ou menos primitivo, incapaz de dar uma contribuição eficaz e patente" à questão habitacional enfrentada em razão de seus índices de produtividade muito baixos. Mas esquece que este modelo, por outras razões que não a produtividade a qualquer custo, tem sido referência para uma expressiva parcela de autoconstrutores e construtores diretos de edificações.

O autor apresenta as principais "características negativas" do estágio da construção, àquela época - desperdício de tempo, desperdício de materiais, lentidão na execução, previsão do tempo de execução e dos custos, intromissão de leigos, e aponta operações (padronização tipológica, padronização dimensional, padronização normativa de produto, padronização normativa de projeto) como necessárias ao processo de industrialização.

Ao início do século XXI, os problemas em relação à indústria da construção civil no Brasil, detectados por Rosso, ainda permanecem: lento desenvolvimento tecnológico, baixa eficiência produtiva e baixo nível de qualidade do produto final. O setor, de fato, sobrevive dentro de um cenário econômico, político e social bastante variável e com uma formação complexa e heterogênea. Esse cenário, ainda vigente, demonstra, no mínimo, que a resposta para o setor da construção não era tão simples assim. Rosso chega a culpar "a vivacidade e genialidade peculiares ao espírito latino" bem como a "relutância e oposição" à uniformidade como responsáveis pelas dificuldades na implantação da padronização e industrialização da construção.

Preconceituosamente, Teodoro Rosso declara que as possíveis razões estéticas, que podem limitar a liberdade de expressão, devem ter "valor legítimo" somente em construções de luxo. Para o autor, a industrialização da construção responde bem às exigências das edificações econômicas: custo, praticidade, comodidade e higiene.

A industrialização da construção como solução para habitação também é discutida no contexto internacional, em quatro artigos. No primeiro, Richard D. Ahern, em "Cinco fórmulas falsas para habitação" (Arquitetura IAB, 1964, n. 23, p.16-19) faz uma análise crítica dos modelos ocidentais habitacionais por meio de cinco aspectos: densidade versus habitabilidade, distâncias dos percursos dos moradores, cientificidade das unidades de habitação, uniformidade aliada à economia e modernidade do projeto. O autor revela que tem encontrado nestes modelos, "centros comerciais impessoais", "monotonia", "planos orientados para o tráfego de automóveis", "poucos indícios das grandes tradições de ajardinamento" e "uniformidade".

No segundo, o artigo "Pré-fabricação" (Aquitetura IAB, 1965, n.40, p.5) apresenta, entre outros aspectos, a vantagem do trabalho em canteiro de obra se reduzir "a simples ações de unir elementos pré-fabricados, montá-los, juntar acessórios e alguma decoração".

O terceiro artigo, "Os arquitetos europeus e a industrialização da construção" (Arquitetura IAB, 1966, n.45, p.25-30), apresenta as opiniões dos arquitetos Jean Prouve, Marcel Lode, E. F. Groosman, Walter Henn e Jean Balladur sobre os problemas da industrialização da construção, da pré-fabricação e da racionalização dos processos construtivos. A nosso ver, um artigo que demonstra as intenções dos arquitetos em acelerar o "período de progresso" por meio da modificação das "dimensões do aparelhamento da produção" bem como reforçar as premissas do modernismo que vê o edifício apenas como objeto.

No quarto artigo, "Módulo-habitação" (Dirigente Construtor, 1969, n.5, p.26-32), o sistema apresentado pela primeira vez no conhecido projeto-modelo Habitat 67, da Feira Mundial do Canadá, despertou enorme interesse pela maior rapidez de execução e pelas possibilidades de operações ao nível do solo, promovendo maior facilidade e segurança.

Nesse amplo cenário de discussão sobre padronização, dimensionamento e racionalização, a normalização modular surge como tema importante no artigo "A coordenação modular e a industrialização da construção" (Arquitetura IAB, 1967, n.57, p.12-14), do arquiteto Fernando Aguirre de Yraola. Ainda que o tema da coordenação modular já tenha sido introduzido desde os anos 60, os arquitetos contemporâneos têm aplicado, quando é o caso, mais a coordenação dimensional de componentes do que a coordenação modular como estratégia do projeto.

Os artigos "Projeto de um sistema de montagem de casa" (Módulo, 1963, n.33, p.18), "Habitações pré-fabricadas, desmontáveis, de crescimento Ilimitado" (Arquitetura Brasileira do Ano, 1967, n.1, p.20-23), "Unidade de habitação pré-fabricada" (Acrópole, 1967, n.343, p.43-45) e "Teatro Nacional de Budapeste" (Arquitetura IAB, 1968, n.74 p.2-3), são exemplos de experiências de arquitetura pré-fabricada. A experimentação da pré-fabricação também comparece na arquitetura do ícone modernista brasileiro, Oscar Niemeyer, com uma solução de projeto de escola que poderia ser replicado por todo o país - "Escola primária" (Módulo, 1963, n.32, p.46-47) já que trata o edifício como padrão.

Na contramão da aceitação das premissas das unidades habitacionais modernas, o arquiteto Paulo Magalhães, no artigo "Habitações transitórias" (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.14-15), critica os programas habitacionais ao afirmar que são, "quase sempre, a multiplicação do projeto de uma casa burguesa, de classe média, simplificada e reduzida a dimensões mínimas, e que, uma vez executados, como tem demonstrado a experiência, deterioram e degeneram em favelas de alvenaria". Também por outra abordagem, o arquiteto Acácio Gil Borsoi propõe a "Pré-fabricação em taipa" (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.6-9), técnica construtiva usada no Brasil Colônia, mas realizada em processo industrial e modular. Entretanto, o mais importante neste artigo a nosso ver, é a abordagem do autor em relação ao problema da habitação: "a casa é o efeito e não a causa do desequilíbrio social e econômico, e assim sendo, deve ser encarada, como espelho de uma realidade".

Outra crítica, desta vez ao sistema de industrialização preconizada por nações de economia forte, é feita em dois artigos. No primeiro, "Sistema de Pré-fabricação leve de canteiro" (Arquitetura IAB, 1965, n.40, p.30-31), o arquiteto Jaime Herdoiza Cobo e o engenheiro Aldo Coti-zelati apresentam um sistema, segundo os autores, adequados "às características naturais do nosso país": "racionalização da construção, produção de elementos pré-moldados de pequeno porte diretamente no local da obra, utilizando materiais e mão-de-obra locais, eliminando o transporte, os equipamentos especiais de levantamento e procurando trazer benefícios de ordem econômico-social para a região". No segundo artigo, "Pré-fabricação de canteiro" (Dirigente Construtor, 1968, n.10, p.37-42), é apresentado um método desenvolvido para a realidade brasileira: "algumas paredes funcionam como elementos estruturais e recebem um determinado tratamento, enquanto outras são apenas elementos de vedação".

Nesta década, o destaque dado à industrialização da construção não poderia estar desvinculada às propagandas de técnicas e de materiais que visavam, principalmente, a otimização de tarefas e de tempo nas obras. Para as coberturas, três soluções comparecem. Primeiro, o uso de infláveis no artigo sobre a "Cobertura inflada" (Dirigente Construtor, 1966, n.2, p.26-30), como solução que precisa de leveza e da rapidez na montagem. Segundo, o uso das "Lajes Volterrana" (Acrópole, 1967, n.344, capainterna), representando economia múltipla: redução de escoramento e formas, economia de 70% na mão de obra, sem serviço de armação, redução de prazo de execução, menor peso, maior resistência, concretagem simultânea das instalações, isolação termo-acústica, variedade de dimensões. E, o terceiro, a cobertura "Economit Brasilit" (Dirigente Construtor, 1967, n.12, p.51) associada ao Plano Nacional de Habitação.

Dois artigos tratam de instalações. No artigo "Instalação sanitária para casa popular" (Acrópole, 1963, n.293, p.154), o arquiteto Oswaldo Arthur Bratke apresenta continuação de seus estudos apresentados nos anos 1950 (ver "detalhes técnicos" - Acrópole, 1954, n.187, p.349-350). O artigo "Tubos de interligação de pisos" (Acrópole, 1963, n.293, p.153) apresenta a solução para a "descida de lixo".

A pré-fabricação também passa a ser usada como propaganda para acabamentos - o reboco pré-fabricado auto-impermeabilizante "Novo Itacreto" (Dirigente Construtor, 1965, n.3, p.39) - e elementos de vedação - "Painel Tigre" (Dirigente Construtor, 1965, n.12, p.46), blocos de concreto "Blocrete" (Arquitetura e Engenharia, 1963, n.64, p.XIII) bem como os "Blocos Arci" (Dirigente Construtor, 1968, n.2, s.p.).

Por outro viés, o artigo "Prensa manual" (Dirigente Construtor, 1966, n.3, p.29-32) apresenta a prensa manual, conhecida mundialmente pela sigla CINVA-RAM, como equipamento importante no setor de habitações de interesse social. A prensa permite a fabricação de blocos econômicos de solo-cimento ou solo-cal, alcançando a produção de 600 unidades por dia com apenas um operador.





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