mapa_interativo_reduzido


Escolas na circunstância

Mariarosa Dalla Costa propõe que as mulheres saiam de casa e se juntem com as vizinhas e outras mulheres para destruir o papel da dona de casa, reconstruindo uma solidariedade - pela luta - entre mulheres. Em um país onde tramitaram recentemente projetos como o de educação domiciliar, que reforçam ainda mais a lógica de individualização da vida, centrando-as cada vez mais na instância lote/família, pensar a escola como um núcleo do que Silva chamou de uma urbanização reversa pode ser um ponto de partida para a redemocratização e descentralização da vida familiar no lote parcelado. Nesta prospecção, das escolas como núcleos da urbanização reversa de uma bacia hidrográfica, a arquitetura e o urbanismo atuariam no âmbito da pedagogia sócio-espacial, desenvolvendo interfaces - materiais pedagógicos - que provoquem uma relação do conhecimento com o espaço. Colocando, como propõe Le Guin, a ciência como uma cesta de culturas, como bacias- vamos chamar assim - em vez de pensá-la como uma arma para a dominação e competição.

Márcio Rolo coloca que o capital busca subordinar o trabalho vivo, a ciência e os processos educativos à manutenção de sua ordem. No entanto, neste esforço de subordinação emergem contradições que mostram caminhos de mudança. O autor nos convoca a refletir qual é a concepção de ciências a ser disputada na escola para que esta tenha finalidades emancipatórias e, por outro lado, como a concepção hegemônica das ciências reverbera na manutenção das relações sociais que produzem a exploração e a desigualdade. No capitalismo, é fundamental manter a consciência social focada na aparência das coisas como forma de desviá-la do circuito de ações e reações desencadeadas pelo capital. A pedagogia sócio-espacial seria uma forma de explicitar as relações maquiadas para que, assim, possam emergir outros imaginários de vida e, consequentemente, outras formas de organização. Cançado aposta na materialidade com sua intrínseca contradição. Se, por um lado, a materialidade da cidade é o produto de um modelo econômico baseado na conquista do lucro acima de qualquer consideração ecológica e, sobretudo, produto de uma classe econômica devastadora e colonialista, por outro lado, é também a base material, a partida para a construção de um futuro fora ou além da modernidade industrial. “Um futuro que requer novas mentalidades, outras formas de relações de coletividades mas também outras materialidades nas quais estas possam se entrelaçar”.

Apostando na escola como um núcleo da urbanização reversa de organização espacial e da comunidade escolar como um grupo sócio-espacial é que foram desenvolvidos os ateliês relacionando os conteúdos com o território e as interfaces (site, maleta de investigação e quebra-cabeça das circunstâncias). REVER: No entanto, esta produção de material pedagógico e planejamento de ateliês não foi suficiente para de fato ativar a comunidade escolar. Encontramos dificuldade para realizar todos os ateliês planejados e entendemos ao longo do percurso que seria fundamental envolver a direção escolar e a coordenação pedagógica neste projeto. Entretanto, após duas tentativas de reunião com a coordenação pedagógica e demais professores, uma em dezembro e outra em fevereiro, eu e Roseli não conseguimos apresentar a proposta. Entendo que essas profissionais estão sobrecarregados de tarefas e cheias de metas impostas por uma hierarquia superior a cumprir. Pois, como visto, apesar das normas e legislações prevêrem uma relação da escola com o território que a circunda, o planejamento de interação fica a cargo de cada escola e deixado em plano secundário, já que existem outras determinações primárias a serem cumpridas.
Mas a comunidade-escolar, entendida na legislação como os estudantes, professores, funcionários e pais dos estudantes, seria teoricamente um grupo sócio-espacial? Pela legislação vigente, a comunidade-escolar é sempre um grupo sócio-espacial, pois seria parte fundamental dos planos pedagógicos e decisões sobre as estruturas espaciais da instituição. No entanto, na prática, a escola é oferecida pronta, com pouca ou nenhuma oportunidade para uma construção e imaginação coletivas. É certo que no modelo atual, em que um colegiado representativo - com nenhuma interação com os outros pais, alunos e funcionários - se encontra e decide por toda a escola, não há oportunidade para uma efetiva participação autêntica como a defendida por Souza. Como exemplifica Kapp, o grupo sócio-espacial do ambiente escolar pode ser formado pelo cotidiano, quando um grupo de alunos decide fazer um viveiro, um grupo de funcionários posiciona o mobiliário para descanso ou um grupo de pais decide plantar uma horta para a escola. Entretanto, a construção desse grupo é extremamente frágil, pois quando um órgão superior decide pôr fim aos puxadinhos e gambiarras ou à entrada dos pais fora do horário de entrada e saída, este grupo voltará a ser somente um grupo social em um espaço determinado de cima para baixo. A pedagogia sócio-espacial na escola poderia ser uma ferramenta para fortalecer a autonomia da dita comunidade-escolar, para que esta consiga reivindicar à escola pública para além de mais vagas, espaço real de decisão e construção do ambiente escolar e do território da bacia hidrográfica. Constituindo, quem sabe, redes de solidariedade, como a aldeia mencionada no provérbio africano.



Pontos de Análise do PFlex

No primeiro semestre de 2022 aconteceu a disciplina de projeto Pflex- Águas urbanas na bacia do Capão: imaginando possibilidades. Os Pflex são disciplinas flexibilizadas de projeto do curso de arquitetura e urbanismo da UFMG, isto é, elas apresentam um tema de projeto e os estudantes de diversos períodos podem se inscrever. O foco da disciplina foi entender situações problemáticas na bacia do Capão a partir do contexto mais amplo da bacia hidrográfica e não somente das margens do córrego . A disciplina foi organizada a partir de três exercícios que consistiram basicamente em: a) levantar dados; b) organizar os dados de forma a gerarem informações e c) propor uma intervenção a partir das análises realizadas nos exercícios anteriores. O último exercício, o de propostas de melhoria para esse local, deveriam ser não apenas tecnicamente consistentes, como também atraentes do ponto de vista dos usos coletivos e públicos. A ideia era ampliar o imaginário acerca das possibilidades de convívio com as águas urbanas. A disciplina se desenvolveu em quatorze encontros que incluíram o desenvolvimento dos exercícios, orientações, visitas à bacia e banca final avaliativa.

Antes de começarmos os exercícios, o professor Roberto Eustáquio coordenador do projeto Águas na Cidade ofereceu para a turma do Pflex uma oficina de demarcação de bacia hidrográfica. Nesta ocasião, manuseamos o material do kit bacias, utilizando como base o guia professor/aluno para o aprendizado da nomenclatura dos elementos morfológicos e delimitação de bacias hidrográficas e mapas e maquetes virtuais com enfoque na região do Capão. Munidos da compreensão dos elementos de uma bacia hidrográfica, partimos para o primeiro exercício, que tratou-se de um aquecimento, para uma familiarização inicial com a região e com as bases de dados. O primeiro exercício consistiu na reunião de informações provindas de fontes online como: o banco de dados cartográfico da prefeitura, redes sociais de organização de moradores, entre outros, e disponibilizadas no drive da disciplina, e na sua apresentação para toda a turma. Cada equipe (de uma a quatro pessoas) se concentrou num tipo de informação, como listados abaixo:

  1. Associações de bairro, conversas nas redes sociais, notícias de eventos (enchentes, festas, crimes etc.), imagens históricas.
  2. Decretos municipais, Lei de parcelamento, uso e ocupação do solo, usos no lugar (passeio pelo Google Street View).
  3. Projetos e planos da prefeitura ou de outras instâncias, plantas dos parcelamentos aprovados (SIURBE), comparar aprovado com implantado, análise do histórico das imagens do Google Earth.
  4. Distribuição dos sistemas de drenagem e esgotamento, relatório produzido pelo Núcleo Capão sobre despejo de esgoto em 2018, dados georreferenciados da avaliação do esgotamento sanitário pelo Instituto Prístino disponíveis no site, cartas de inundação da Prefeitura (BH maps).
  5. Modelagem digital da bacia, preparação para o corte da maquete física, simulação do comportamento da chuva no aplicativo sketchup.



Evolução urbana

Criamos essa camada de evolução urbana a partir da data de aprovação das plantas de parcelamento, que determinam a divisão formal dos lotes no Capão. As décadas, graduadas em cores, indicam quando cada planta de parcelamento foi aprovada. É importante destacar, portanto, que os dados aqui apresentados nem sempre correspondem à evolução da ocupação na bacia propriamente dita, e sim da formalização desse processo, uma vez que é comum que o crescimento urbano, principalmente em regiões ribeirinhas, ocorra primeiro de modo informal. Entretanto, os dados de aprovação dos parcelamentos ainda podem fornecer pistas sobre a cronologia da ocupação na bacia, seguindo a lógica de que processos de urbanização mais antigos tendem a ser formalizados primeiro.



Conexões verdes

As conexões verdes, classificadas como conexões ambientais pelo Plano Diretor de BH (Lei 11.181), são descritas como “vias que interligam zonas de preservação ambiental e áreas de diretrizes especiais ambientais, visando à melhoria da arborização urbana e à formação de corredores ecológicos” (Art. 198). Isto é, as conexões verdes são projetos estratégicos que delimitam porções do território com o intuito de criar interligações vegetadas entre áreas de interesse ambiental, como áreas preservadas, parques, entre outros.



Conexões fundo de vale

As conexões fundo de vale, classificadas como conexões ambientais pelo Plano Diretor de BH (Lei 11.181), são descritas como “fundos de vale onde há necessidade de saneamento ambiental amplo, visando à restauração da qualidade dos cursos d’água, à necessidade de contenção de cheias, à recuperação de ambientes hídricos e à intervenção em áreas de preservação permanente, de forma a viabilizar a implantação de parques lineares”.



Centralidades locais

As centralidades locais são projetos estratégicos do Plano Diretor de BH (Lei 11.181). As áreas de centralidade são classificadas na legislação como “porções do território municipal onde se pretende direcionar maior adensamento construtivo e populacional e a concentração de atividades econômicas, complementarmente à qualificação urbanística do espaço urbano”. Nessas áreas, portanto, é incentivado o uso misto, maior adensamento construtivo e implantação de equipamentos comunitários. As centralidades locais têm menor escala territorial e polarizadora, quando comparadas a centralidades regionais.



Circunstâncias

As circunstâncias podem ser entendidas, em termos físicos, como microbacias dentro de uma bacia. Em termos políticos, a circunstância tem uma escala interessante para a organização sócio-espacial considerando a reconciliação entre os humanos com os não humanos e mais que humanos desta delimitação. Nas palavras de Renata Oliveira, pesquisadora do grupo Águas na Cidade, “a circunstância pode ser compreendida como uma unidade espacial de investigação científica e experiência concreta.”